Guimarães, coração a partir do qual foi fundado Portugal, não só é muito bonita e perfeitamente conservada, como também parece uma cidade inteligente e orgulhosa dos seus activos. A sua principal actividade foi a industria têxtil, no entanto isso já não é assim. Agora é conhecida como cidade cultural, tendo locais de referência nesse âmbito, assume grande parte da programação mais arrojada da música e da dança contemporânea do país e alberga um prestigioso festival de jazz. O binómio Guimarães = Cultura é algo que faz encher de orgulho o peito dos seus habitantes. A Capital Europeia da Cultura 2012 assenta como uma luva à cidade e o Optimus Primavera Club esgotou todos os bilhetes e foi um êxito no que respeita à programação.
Tive a oportunidade de conversar com programadores locais e comparar números de assistência dos espectáculos que também passaram por Barcelona. Em concertos passados de Bonnie Prince Billy, Oenothrix, Point Never, Julia Holter ou mesmo Michael Gira, para citar só alguns dos artistas que tocaram ali nos últimos anos, a assistência foi igual ou superior aos últimos espectáculos destes artistas em Barcelona.
Entro num café e vejo pendurado um quadro de 2×1 com Anthony Braxton. Chego ao Centro Cultural Vila Flor, enganei-me na porta, encontrei uma orquestra a ensaiar, abro outra, seis raparigas a cantar ópera, viro-me, outro auditório, começam os Little Wings, a sala está cheia, ficou gente de fora. A área metropolitana de Guimarães, nem sequer mencionei, tem 160.000 habitantes. Menos de metade vivem no centro histórico. Que maravilha de rácio, não é verdade?
Não entrarei em pormenores relativos ao nosso próprio cartaz, porque é trabalho para os críticos. No entanto, em espaços tão certeiramente adequados como o Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor, Swans não podiam senão ter dado um concerto de dimensões épicas. Um desses concertos de “I was there”. O mesmo se passou com Destroyer, Ariel Pink, The Vaccines ou Tinariwen no São Mamede, um antigo cinema restaurado para albergar concertos (estão a arranjar outro para que passe a ser mais um centro cultural, com espaço para salas de ensaio), pensado para que tudo soe perfeito e redesenhado especificamente para espectáculos de música ao vivo.
Antes do início do primeiro concerto do Optimus Primavera Club, o programador de Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura mostrou-me os equipamentos da cidade. Mostrou-me um outro centro, o Centro Internacional das Artes José de Guimarães, um edifício de Pitágoras recém premiado pela sua arquitectura que alberga a colecção particular do artista que lhe dá nome e no qual tiveram lugar alguns dos showcases do Optimus Primavera Club. Uma vez lá dentro, encontramos uma sala incrível: uma Black Box com camadas retrácteis requintadas, destinada a improvisações e concertos mais especializados. Duzentas e algumas pessoas sentadas…enfim.
Continuando o passeio, em cada estabelecimento da cidade há um coração em escaparate: nas padarias é de pão, nas cosméticas é feito com batôn, nas lojas aparece bordado à mão. É o logótipo da Capital Europeia da Cultura, existe uma grande cumplicidade popular.
Como há muito deixei de ter inveja de nada ou de ninguém – só tenho ciúmes por coisas relativas a comida, sou assim – deixem-me expressar, pelo menos, a minha admiração pelo que vi e ouvi durante estes três dias. Tenho a ligeira impressão de que se tudo isto que estou a contar se tivesse passado noutro lugar, nem o dinheiro recebido da Europa haveria de chegar tão ordeiramente ao objectivo final, nem os contribuintes se sentiam tão orgulhosos por serem anfitriães europeus em matéria de arte. Guimarães, asseguraram-me os seus programadores, é uma cidade feliz pela sua condição de cidade cultural. E isso é algo que vai mais além do foco que recebeu durante este ano. Felicidades, do fundo do coração.
Abel González